quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Desejo ao seu ano novo
O final de ano é a época que nos invade uma onda de promessas com novas metas, diferentes posturas pela vida e objetivos desafiantes. De repente janeiro começa, fevereiro passa, e a força da rotina nos traga aos antigos hábitos, que nos levam aos lugares antes conhecidos. Eu mesma experimentei esse ciclo por alguns anos.
Pois em meados de setembro de 2014 tomei um novo conceito sobre esses marcos temporais, de início e final de “ano”, esse conceito corriqueiro de que tudo começa no dia 01.01 e termina em 31.12. Passei a observar o fluxo contínuo da vida, que não se fixa em datas pré-estabelecidas no calendário, sendo o nascimento e a morte as únicas certezas nessa nossa jornada por estes ares.
A partir de então as decisões que pediam urgência foram tomadas independentemente dos fogos de artifício estourarem no céu ou a banda de carnaval passar. O calendário reduziu sua utilidade para organizar as tarefas da semana e a viagem do mês que se aproxima.
Assim também se foi uma certa angústia que rodeava as festas natalinas, tornou-se desnecessário revisar os planos do ano anterior e conferir os tantos anseios que tinham se transmudado em nada.
Neste último texto do ano, te proponho o mesmo exercício que venho praticando: abandone as promessas de 31.12 de que você se dedicará mais ao seu amor, ou que se resolverá naquele trabalho que te esgana apenas depois do carnaval, ou que impreterivelmente em janeiro fará inscrição no curso de pintura, fotografia ou teatro que sempre quis. Faça tudo isso assim que possível e sempre.
O que sua alma pede com sutileza, aquele sonho que paira nas noites antes de dormir, dê voz a ele a qualquer época do ano. A vida pede passagem a todo tempo, seu fluxo é contínuo e ininterrupto. Que em 2016 você tenha a coragem de dar voz à sua essência, esse é o meu desejo ao seu ano novo.

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Em meio a dezembro

Chegamos mais uma vez nesse mês "loucura total". Desde que comecei a ter uma certa noção da vida adulta me espanta a quantidade de compromissos e afazeres que surgem em um mês de 23 dias. Não, eu não estou enganada quanto ao calendário, dezembro tem 23 dias, a partir do dia 24 não há mais nada de “útil”, no sentido de “produção” a fazer, se assim posso dizer.

Quando o calendário aponta 01.12 o celular começa a se perder com mensagens e convites para eventos, sejam familiares, de amigos ou do trabalho. Eu me questiono: por que toda essa gente não quis me ver nos 11 meses que se antecederam? Claro, muitas dessas pessoas estiveram comigo ao longo do ano, mas sempre aparecem aquelas com a nostalgia das festas natalinas a marcar o compromisso que foi adiado para a semana que vem, que nunca chegou. Aparecem em dezembro.

Sem contar o trabalho. O que era para ser feito nos últimos 2 meses deve urgentemente e impreterivelmente resolver-se em dezembro. Só comigo se apresenta essa ânsia (o que se repete nos últimos 10 anos) ou é geral?

E o trânsito então?! Confesso que estou aliviada de passar as últimas semanas deste mês longe das avenidas brilhantes e coloridas das grandes cidades.

A primeira vez que estive em São Paulo nessa época não entendia a razão daquela corrida maluca. Em grandes centros o superlativo dá suas caras com força e eu, caipira, chocada com o mar de gente a se amontoar pela Avenida Paulista para ver os bancos com enfeites de Natal. Ou o frenesi nas ruas de comércio para adquirir os presentes e tantos outros apetrechos festivos.

A sensação era de fazer parte dos filmes norte-americanos no momento em que os extraterrestres invadem a Terra ou que o tornado avança para a cidade: todo mundo sai de casa, de carro e com pressa, concomitantemente.

E ainda tem os presentes. Como vocês já sabem da minha característica de sinceridade, aqui vai uma: detesto comprar presentes nessa época. 

Primeiro porque tenho que pensar em algo para mais de 10 pessoas ao mesmo tempo, e acredito que presente marcante deve vir acompanhado de uma boa dose de cuidado, para ser algo realmente especial, o que para mim não aparece em larga escala. Segundo que não sou adepta a shoppings, a música das lojas, o tumulto pelos corredores, me dá urtiga.

Que tal transferir a troca de presentes para a primeira semana de janeiro? Brincadeiraaaa!

Mas tudo bem. Respire fundo. Estamos no dia 15, em 8 dias o mês acaba. Todo mundo se desliga, revela o amigo oculto na festa da família, come sem medo de ser feliz e prepara a listinha de propósitos para 2016! E tudo começa outra vez.

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Amores tortos

Ela estava com a idade pra fazer tudo o que o corpo pede e que a mente esquece. Sem compromisso com ninguém, além da sua diversão e do libertário prazer que vez ou outra tomava conta de suas veias. O frenesi dos descobrimentos, dos desencantos e inevitáveis desamores depois de um tempo de clausura.

Ele guardava consigo seus pensamentos e levava nos olhos a doçura de observar o mundo com ternura. No revés de dizer não, mantinha uma relação que pouco lhe interessava, de modo que buscava em novos horizontes tantas completudes bastassem para seu intento.

Os dois caminhando livremente pela vida, com olhos atentos e sentidos aguçados.

Pois um dia se perceberam quase sem querer, numa festa que ela resolveu ir de última hora. Se arrumou com pressa em frente ao espelho pequeno no quarto da amiga, seguiram juntas cantarolando e rindo diante das surpresas que a noite sempre revelava.

Ele saiu com a discrição de sempre, poucas palavras, gestos contidos, respostas vagas.

Os dois estavam no mesmo local, balançando ao som dos turbulentos ritmos tropicais que despertam os instintos por vezes adormecidos nas ancas. Partiram ao encontro que iniciaria o longo trajeto de descaminhos até o ajustamento de condutas.

Ela fugia da perseguição insistente de um amigo inconveniente, ele a salvava com a delicadeza que ela ainda não tomara pra si como gesto de grandeza. Ali nasceu o primeiro olhar, o primeiro sentido para o que cada um despertava no outro, a percepção do novo, percursos assustadores que levariam a lugares por vezes sombrios e depois clarividentes.

Começaram a se amar quase sem querer naquele instante. Os amores não se anunciam, quando se nota estão instalados e sem hora marcada pra sair. Um desespero.

Foi isso o que ela sentiu depois do primeiro encontro, ao deitar-se na cama na aurora do dia, conferir seu peito e notar que algo novo além do deslumbramento: desespero.

Sim, porque de súbito se recordou da vagueza com que ele havia mencionado uma namorada dias antes. Não se conteve, enviou naquele mesmo instante a mensagem com pergunta fatídica a ele. A ausência de retorno era a confirmação que temia para os próximos dias de angústia.

Mesmo assim foram se amando, conforme o tempo permitia e sem notar o quanto um e outro iam se imiscuindo na pele alheia. A alma que se enchia daquilo que não se descreve por qualquer palavra que há no mundo, porque amor é pequeno e não cabe em tudo que viviam quando estavam juntos.

Ela também sofria, por não ser inteira da forma que sempre se acostumou a ser. Não conseguia compreender esses encontros pelos cantos, essa ausência de conversas sinceras, então resolveu dar o cheque-mate para por fim aos dias intermináveis. Ele reagiu conforme se previa, sem a correspondência do amor e ela resolveu ir embora aos prantos que demoraram a secar.

Com a beleza que tomava conta de seus olhos, logo se fez com outro amor. Ele não pôs credo na agilidade com que ela se arranjou, tratou de fazer cerca na tentativa de semear o sentimento que outrora existiu.

Ela firme não se dissuadiu, viveu o que sua índole detinha sem esmorecer. Ele ficou sentido, naquele desconjuramento de que tudo tinha se acabado.

Mas o destino prega suas peças. Pois ele terminou de vez aquele descompromisso que já não havia como prosseguir, ela foi surpreendida com o fim das paixões por aquele que guardava afeto.

De uma hora pra outra estavam de novo juntos, ele e ela, ao som da mesma música, saboreando a mesma fruta (que ele sempre tratava de levar pra ela) e aprendendo a amar mais uma vez aquele amor que pensavam ter se perdido. 

Foram se cheirando sem pressa, sem receios, sem planos ou insinuações. De repente estavam sós, suficientes, inteiros e dispostos.

Percorrem juntos esses caminhos sinuosos da convivência, do dia-a-dia, do aconchego e desatinos. Hoje ele aprendeu a reverberar com um tico de facilidade, embora o olhar de ternura permaneça em tudo que vê. Ela entendeu que ser firme não é ser dura e segue exercitando passos leves.

Não é Eduardo e Mônica, somos eu, você e tantos outros que cruzam as esquinas neste instante.

O amor nos trouxe tortos e nos fez direitos.

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

A primavera das nossas amizades

Ainda que paire pelo ar um leve zunido de que não há amizade verdadeira entre o sexo feminino, em nossa pele sentimos algo bem diferente e a experiência tem a incrível capacidade de superar a teoria. Então espalho ao mundo que tenho amigas, de verdade, de coração, da vida.

Porque talvez a gente não corra as ruas com um megafone lardeando os pequenos e inúmeros gestos que inundam essa relação essencial para qualquer mulher. Talvez a gente divulgue a poucos os belos feitos que nossas amigas praticam por nós. Tudo isso porque aprendemos aqui e acolá que a felicidade é um tesouro precioso que deve ser guardado pelo silêncio.

Mas hoje irei quebrar a mudez que nos cala para espalhar que somos amigas, daquelas firmes, que não há inveja em nossa relação e sim compaixão, olhar que entende, abraço que acolhe, sorriso que convence.

Fundamental foi e é a amiga a nos colocar no colo, ceder seus ouvidos e conselhos no dia em que descobrimos que nosso amor não nos quer mais. Como se isso não bastasse, ela nos faz companhia por incontáveis dias, até que se convença que estamos aptas a respirar sozinhas a dor que invadiu o peito.

A amiga que nos dá carona para o trabalho, para a faculdade, para a balada e com ela desfrutamos de longas conversas, divagações vãs sobre o cotidiano que nos cerca. A filosofia do dia-a-dia, papos inacabáveis que seriam temas de livros, os quais guardamos com ternura no íntimo das nossas recordações.

Aquela que te acompanha para o show ou happy hour de última hora sem qualquer exigência que não seja a diversão.

Que te traz flores e um sorriso de conforto no dia em que sua família se parte. Te abraça com imensurável gentileza e de repente o ar é tomado pela doçura que há nos seus olhos. Minutos preciosos de calmaria em dias de mares agitados.

As que dividem as refeições contigo de segunda a sexta e ainda assim convidam para o almoço de domingo com a família, no dia das mães, dia dos pais e páscoa. Sabem que sua família original está distante, então oferecem as delas próprias, dividem o indivisível e de um momento para o outro você começa a fazer parte de um novo núcleo.

A que te salva depois das 18h, ajuda com o trabalho de última hora e as duas partem fazendo piada e rindo pelos corredores dos escritórios frios e inóspitos, aliviadas pelas longas horas do jantar que não desperdiçaram em frente ao computador.

As mensagens no celular com fotos, acompanhadas do delicioso “lembrei de você e quis compartilhar”. Os vestidos, casacos, sapatos e bolsas que emprestamos sem pestanejar. As declarações sinceras de saudade e de amor.

Amizades que nós mulheres carregamos por anos, ainda que os caminhos se distanciem.

Só posso concluir que muitos estavam equivocados, existe sim amizade entre nós, não é, minha amiga?! Nosso amor vai além de qualquer senso comum ultrapassado a respeito dessa relação pura.

Minha imensa gratidão a cada uma de vocês, essenciais para que eu enfrente esse caminho tortuoso, e por vezes doloroso, que a vida pode ser. Que também sabem rir com sinceridade das alegrias e pular com minhas conquistas. Nossa primavera não é de hoje, é de sempre.

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Faço tudo por você

Aquele jantar com o amigo inconveniente e machista. O fim de semana na praia com a colega fofoqueira e baixo-astral. Acordar cedo para te levar no aeroporto, sem conseguir pronunciar meu nome pelo sono que toma meus olhos. Almoço de domingo com a família, pós-balada e ressaca sem precedente. Comprar “o” anel de brilhantes para te pedir em casamento, mesmo que as 12 prestações levem a grana que não tenho.

Eu faço tudo por você, ainda que isso signifique esquecer no eu acredito por tempo indeterminando, tanto tempo que uma hora já nem sei quem sou, a não ser o seu espelho, refletindo seus desejos.

Um fiel cumpridor dos seus íntimos e improváveis anseios, essa é a única forma que aprendemos de manifestar nosso amor.

Mas não se preocupe. Estou aqui diariamente com um bloco de notas mental, computando item por item as volúpias que cumpri em nome do nosso relacionamento. Tão logo você me irrite, esquecerei rapidamente o propósito inicial e tratarei de cuspir os sacrifícios que fiz em seu nome, tudo na mais verdadeira intenção de provar o amor incondicional que nunca tive.

Sim, porque esse papo é lindo e romântico na tela da TV ou nas salas de cinema, na vida real, meu bem, existem diversas condições a cumprir pra que nosso amor funcione.

Faremos o comparativo entre os meus e os seus sacrifícios diários, aplicaremos a subtração e quem sabe alcançaremos o resultado de qual é o maior amor. O outro deverá se disponibilizar em se omitir mais um tiquinho, em nome desse vínculo que se transformou numa equação aritmética.

Talvez um dia, num desses acertos de contas, a gente descubra que o amor se foi junto com a ideia equivocada de que é sempre preciso agradar o outro.

Estaremos frente a frente com o que realmente somos, chocados com a revelação da essência de cada um, há tempos ofuscada pelas exigências diárias de submissão. Nos daremos conta de que o sinônimo de “submissão” não é “amor”, recorreremos ao pai dos burros a nos lembrar o real significado dessa palavra: “aceitação de um estado de dependência”.

Você depende de mim pra cumprir seus desejos, eu aceito cumpri-los como prova do meu empenho em estar contigo.

Diante dessa chocante revelação, quem sabe a gente escolha mudar o rumo desse trem desgovernado que se tornou nossa união.  Experimentar o amor a partir da nossa essência, observando a convergência das intenções e não exigências. Impondo, de uma vez por todas, que o sacrifício não viva entre nós. Dia após dia as expectativas irão se disseminar e aprenderemos a ajustar nossos atritos com parcimônia e não volúpia.

A partir de então, eu nunca mais farei tudo por você, apenas pelo amor que nasce em mim e irradia em sua direção. Te entregarei as flores que brotam do meu peito, meus intentos e pensamentos sutis, os relâmpagos de alegria e suspiros de leveza. Espero que isso lhe baste. 

terça-feira, 17 de novembro de 2015

Labirinto do mundo

Hoje é um dia difícil de escrever. Quando eu me propus a fazer o blog tive a intenção de difundir a reflexão nas pessoas, que cada um conseguisse olhar um pouco para si, por dois minutos, depois de ler um texto pelas terças, e seguir com algo novo no peito.

Mas como me manter na escrita reflexiva numa semana que nos apedreja com fatos e constatações tão cruéis? Como encarar o outro nos olhos com a lama que destrói Minas Gerais, deixa uma população sem água e extingue um rio inteiro? Como acreditar que a desolação tem apenas o tamanho de Paris e não da Síria, da Nigéria, do Afeganistão, do Brasil.

Eu por aqui, no sofá confortável, bebendo um café, ao lado do marido que amo, me questionando, qual a minha parcela de responsabilidade em tudo isso? De que modo agir para transformar um pouco que seja em algo mais digno e respeitoso?

Será que se eu alterar a forma de me relacionar com a minha funcionária, ela se sentirá uma pessoa melhor e isso refletirá na sua família? Doações de água para Mariana? Libertar-me dos preconceitos? Alguém me diga pra onde ir neste mar de coisas a fazer, não posso me manter inerte, omissa, ineficaz.

Porque do alto do nosso pedestal de bondade, quando apontamos nossos dedos para a maldade alheia, nos abstemos completamente de curar o terror que nos habita. 

Não acredito que as tragédias partam sempre das grandes proporções, elas nascem no indivíduo abandonado, naquele que esquecemos de acolher, o que será feito por alguém, alguém que usa a angústia do outro para gerar desolação.

Talvez o meu texto não te conforme, porque ele também não faz isso por mim, ele me incomoda, demasiadamente. Hoje eu não consigo trazer nenhum alento para a sua terça, estou perdida no labirinto do mundo, procurando o caminho para um lugar melhor.

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

O machismo nosso de cada dia
(por Michelle Cristiane Silva)

É um grande desafio falar sobre o universo feminino sem desaforar o masculino. Tarefa difícil, mas vamos lá, vou tentar escrever minimamente.

Em tempos modernos, a mulher tem conseguido cada vez mais ocupar o seu espaço, porém a luta diária para se sobressair às formas mais ocultas de machismo ainda é constante. 

Quem é que não ouviu aquela frase no trânsito: “tinha que ser mulher” e o pior é ouvir isso de pessoas próximas a você ou mesmo de uma mulher, “lugar de mulher é no fogão”.

Se tem um lugar que não é meu, é o espaço do chão reservado ao fogão. Mas como sou, multifuncional, trabalho bem quando sou requisitada para ficar lá por alguns minutos, assim como o homem.

Porque o fogão não é da mulher. É um bem móvel que compõe o interior da casa, de uso comum, tão necessário para mim, como para meu marido, meu filho, que também vai aprender a se virar sozinho no momento certo.

Esse movimento feminista tem mexido comigo! Outro dia, estava observando minha identidade profissional e nela constava advogadO. Nesse momento me questionei a razão pela qual na minha identidade não estava escrito identidade de advogadA? 

Que tal, padronizar em todos os documentos profissionais dos advogados e advogadas a versão: identidade de advogadA? Os homens com certeza iriam se rebelar. Mas nós não! Estamos tão acostumadas que nem nos damos conta de detalhes como esses.

E isso não é tudo sabe?! Na verdade eu estou cansada de ideias preconceituosas.

Vou contar um fato que me ocorreu recentemente no trânsito. Estava indo para casa, no meu horário de almoço, dirigindo meu carro numa mão dupla e me deparei com uma motocicleta que me cortava pela direita. Isso mesmo, queria me ultrapassar pela direita.

Eu continuei na minha mão. Ao chegar numa lombada (vulgo quebra-molas), pisei no freio como qualquer um faria. Então, ouvi um sussurro: “Tinha que ser mulher mesmo!”. Na hora eu não hesitei, baixei os vidros do carro e para minha surpresa a motocicleta era conduzida por uma mulher. Eu, sabiamente, respirei para não me exaltar e como estávamos na lombada deu tempo de explicar, que o correto era me ultrapassar pela esquerda, que ela estava equivocada na sua colocação! Ela não me entendeu, mas também não parou.

Moral da história acabou: tudo por ali. Não alcancei meu objetivo, pois não consegui demonstrar que se fosse um homem quem estivesse no volante, era ela quem estaria errada, se fosse um robô no volante, era ela quem estaria errada.


Essa situação me deixou intrigada pela constatação de que o machismo não está implantado somente nos homens, nós, mulheres, estamos o disseminando, quando pedimos para o homem da casa conversar com o pedreiro, o eletricista, o encanador, quando pedimos para o homem da casa levar o carro para o conserto, para trocar o óleo. 

Ora, eu posso fazer tudo isso! E tenho exercido meu oficio feminino muito bem, obrigada! Só que eu não sou boba, eu divido as tarefas.

terça-feira, 10 de novembro de 2015

Virginia Woolf vai ao Itaquerão

Meu marido estava ansioso para me levar ao estádio há tempos, ele é fiel torcedor, ou sofredor (desculpem-me o trocadilho batido). Me convidou para o programa num sábado à noite, eu, como uma boa apaixonada, não resisti aos seus olhos de felicidade e ao sorriso de empolgação e disse "sim".

Lá fomos nós, rumo à outra extremidade de Palmeiras-Barra Funda, ao caldeirão de loucos na Arena Corinthians.

O trajeto de metrô demoraria cerca de 1 hora, nada mais justo do que levar algo para me distrair, Virginia Woolf se encarrega da tarefa. Assim, partimos os três para o jogo que coloca o time mais perto da taça.

Na estação da Sé, apenas no terceiro trem encontramos espaço. Muita gente, gente que não acaba mais, com seus mantos pretos a impor monocromia ao lugar.

Finalmente entramos e então consigo ler algo, "A marca na parede". Ao meu lado uma garota explica ao amigo as vantagens e desvantagens deste e daquele banco, ele responde com conselhos óbvios sobre o que ela já sabia. O tom de voz dele é forte, firme, deve ter quase 2 metros da altura, sua cabeça praticamente bate no teto...As letras passam por meus olhos e não formam nada, Dan, muda de lugar comigo. Pronto, voltei à Virginia. 

Acabo o texto e logo avisto a luz da Arena, brilhante, reluzente e aquele mar de gente.

Descemos do metrô e agora fazemos parte de uma multidão. Não somos apenas nós, somos uma torcida a formar o mesmo coro: "Corinthians, Corinthians minha vida, Corinthians meu amor, ôh, ôh". Estamos apenas no corredor do metrô e a força desse amor contagia.

Logo atrás vejo duas garotas com menos de 10 anos escoltadas pelos pais, não que o lugar ofereça perigo, é apenas uma proteção para as meninas de olhos assustados se acostumarem com essa nova forma de expressão de vida.

A onda de pessoas se mistura aos gritos dos ambulantes, cerveja, churrasco, faixa de campeão e vendo ingresso.

Vencemos a multidão e alcançamos a portaria. Virginia estava dentro da minha bolsa, uma edição pequena. A Polícia Militar me revista e alerta, "não pode entrar com livro ou papel, mantenha isso dentro da bolsa". E lá ela permaneceu pelos 90 minutos que se seguiram.

Meu lugar é bem perto da Fiel, cuja força é de uma beleza tão grandiosa, que é impossível negar a paixão pelo time que bate no coração dos incontáveis brutamontes que estão por ali. Pela melodia de Tim, eles embalam "a semana inteira, fiquei esperando, pra te ver Corinthians, quando a gente ama, não pensa em esforço, pra te ver jogar, te ver jogar”!

Começaaaaa o jogo e aos 16 minutos Jadson se encarrega do primeiro gol. Explosão. Todo mundo pula, grita, vibra, o estádio pulsa.

No início do segundo tempo, logo nos dois primeiros minutos, o time adversário marca. Ai que a torcida grita mais! "Hojeeeee teremos que ganharrr!!!".

O rapaz ao meu lado comenta, "acho que eles comeram uma feijoada no intervalo, estão lentos!", o outro, "Aranaaaa, tá ai dentro assistindo ao jogo, meu?! Caralho, joga porrrraaa!".

Todo mundo sofre, uhhhh, se contorce, ahhh! De repente, 42 minutos do segundo tempo, sento porque minhas pernas não aguentam mais e....GOOOOOOLLL! 

O Danilo abraça o cara que ele conheceu há 2 minutos, outros se cumprimentam, ninguém é estranho ao outro, são o bando de loucos. Ele me olha, respira com alívio e solta, "sempre é assim, sofrido, suado".

Voltamos para casa, eu, Virginia e Dan, com a esperança quase certa de que este ano "é Campeãoooo"! 

terça-feira, 3 de novembro de 2015

Divagações de uma terça chuvosa

Hoje o despertador tocou às 6h, supostamente eu teria que obedecê-lo, me levantar, vestir a roupa de ginástica, o tênis e partir para o parque. Não se iludam, minha motivação para isso é mais afastar as dores nas costas que surgem pelos dias parados (e anos vividos) do que participar de alguma maratona. Se bem que, caso eu tenha vontade, também me inscrevo na maratona.

Voltando ao assunto, o despertador tocou, me bateu aquele mau humor dos dias em que preciso acordar com esse aparelho chato a me perturbar. Existe situação mais inconveniente do que alguém ou algo interrompendo seu sono, a dizer que é hora de partir para a vida real?!

Pois bem, como símbolo de uma pequena rebeldia matinal, continuei na cama. Logo detectei aquela melancolia que às vezes aparece nos dias de chuva, porque lá fora São Pedro se encarregava de molhar o asfalto. Fiquei um tempo por ali, observando-me, realizei que não conseguiria resolver meu estado de espírito ou a dor nas costas, então calquei os pés no chão e fui cuidar das tarefas do dia.

Às vezes a vida é um pouco inconveniente, não acham? Não estamos preparados para levantar, encarar os incontáveis afazeres do dia, e mesmo assim não há como evitar ou parar o tempo. Levante da cama e siga, essa é a única opção, pelo menos a minha. Lá fui eu.

Peguei a bike suja, porque não a usava há mais de 1 mês. Pedalei até o parque com aquelas gotas grossas a molhar meu moletom. Como eu suspeitava desde o princípio, correr entre as árvores, com o piso molhado, fez ressurgir em mim a vontade de começar de novo. A chuva traz melancolia, mas também renascimento.

Assim, voltei para tudo que aguardava ser solucionado.

Talvez o feriado também tenha contribuído para esse estado de ânimo. Primeiro que eu nunca vi, em toda a minha existência de 31 aninhos, um dia de finados com sol. Por favor, alguém me diga se em algum lugar desse meu Brasilllll apareceu um solzinho ontem? Por onde andei só circularam nuvens e gotas d'água.

Sem contar o trânsito para voltar para casa. Ôh papo chato de quem mora em São Paulo! A competição inacabável de quantas horas é possível desperdiçar dentro do carro a se fazer nada, na fila quilométrica de automóveis que se estendem na sua frente. Desanimador.

Ah, não vamos desanimar não, vai?! Vou mudar de assunto, pronto.

Gente, estou lendo um livro revolucionário, pelo menos para mim. Na verdade é o segundo dessa espécie "muda-a-cabeça-da-gente” que me deparo este ano. O primeiro foi um de física quântica, “O Ativista Quântico” de Amit Goswami, em outra oportunidade falarei dele. Vou me manter no atual.

O atual é “Um amor conquistado – O Mito do Amor Materno” de Elisabeth Badinter, uma filosofa francesa. Antes que pensam “que raios de livro é esse que a Beliza está lendo?”. Explico. A Elisabeth fez uma extensa pesquisa sobre os hábitos das mães durante longos séculos e de como a imagem da criança se alterou para a que temos hoje, o que, consequentemente, contribui para a mudança do significado da maternidade.

Vocês sabiam, por exemplo, que Santo Agostinho acreditava que a criança era o símbolo do pecado original, portanto, era uma representação do mal, que devia ser combatido com uma edução rígida e praticamente desprovida de amor?! 

Pois é minha gente, tantos conceitos novos nesse livro que me deixam até um pouco perdida sobre o que eu realmente sou ou o que a sociedade faz de mim, enquanto penso ser livre.

Ah, acho importante mencionar como soube dessa escritora/filosofa. Há algumas semanas comecei a participar de um fórum on line só com mulheres (comum.vc), não é sensacional?! Lá a mulherada solta o verbo à vontade, são “pra frente”, gente que questiona mesmo, não importa o quê, nem que seja a maternidade, a moda ou os relacionamentos.

Caso você se encaixe mais no perfil reacionária, nem ouse se aventurar por esse fórum, será um choque com tanta mulherada atrevida.

Aliás, como influência do livro, passei o fim de semana matutando sobre um texto para cá a respeito da maternidade. Ai eu já começo com aquelas ideias meio “doidas” que só eu tenho e nasce o medo de causar polêmica ou o pessoal não gostar.

Nesse mesmo instante me questiono: ué, eu escrevo para agradar ou para expandir esses pensamentos que circulam por mim?! Se eu fosse ser bem sincera, sincera mesmo, diria que agradar é algo que me seduz, e como. Mas voltando para a essência deste blog, me apego à segunda resposta. Seja ela qual for, preparem-se, em breve teremos textos sobre maternidade.

Agora, almoço e voltar ao trabalho, porque a vida não tá ganha não!

Beijossss!!! 

terça-feira, 27 de outubro de 2015

Mulheres e suas gerações libertas

Meu nome é Beliza, da minha mãe Rosangela e da minha avó Maria Elza. Meu irmão se chama Rui, meu pai se chama Rui. Meu sogro se chama Armando, seu pai se chamava Armando e meu marido também seria Armando, se não fosse minha sogra se opor à perpetuação do nome. Nunca foi uma hipótese para minha família que eu fosse a Rosangela Filha.

Quando eu nasci, minha mãe não elucubrou sobre qual seria a minha futura profissão. Para ela, eu poderia ser médica, fotógrafa, arquiteta ou dona de casa. Seu desejo íntimo naquele e em outros momentos era que eu me transformasse em uma mulher inteira, feliz e independente. Portanto, no momento em que marquei o “X” no formulário do vestibular, ela apenas torceu para que minha escolha se tornasse real.

Para ela nunca existiram planos para que eu continuasse qualquer trabalho que ela houvesse começado durante a sua existência. Sua missão era ser mãe, educar, me alimentar, me ensinar a ser uma pessoa correta nesse mundo com diversos caminhos tortos.

Mas quando minha mãe nasceu era para ela ser homem. O desgosto que essa situação casou ao meu avô fez com que ele não recebesse o nascimento da filha com o carinho e o amor devido para a ocasião. Não se espantem, tenho certeza que relatos semelhantes se repetem em diversas famílias. Há pouco tempo era comum que a continuação da estirpe apenas se fizesse concerta com o nascimento do filho macho.

O filho varão a prosseguir o minúsculo feudo particular que criamos em cada núcleo. Aquele a se tornar médico e levar pelos corredores dos hospitais o sobrenome do pai que também circulou por ali. O garoto a transmudar-se no advogado de sucesso que um dia foi seu genitor, mantendo a placa em frente ao prédio com as mesmas letras por incontáveis anos.

Os meninos que assinam o mesmo nome, sobrenome e guardam feições dos seus antecessores, mas falham na missão ingrata de perpetuar a vida do outro, como se fossem simples extensões dos caminhos que os primeiros traçaram.

Ah, mas as mulheres. As mulheres parem seus bebês com o desejo de amá-los, cuidá-los, educá-los seres melhores do que elas são e foram, impondo nessa tarefa a missão maior de contribuir com seres humanos dignos num mundo que ainda persiste pelos devaneios do autoritarismo, egoísmo e ganância.

Elas não tem consigo a vaidade de eternizar o seu nome na vida de outra pessoa. Seus sobrenomes encaixados dentre outros, quando estão por lá, acompanhados do sorriso de sua prole é o suficiente para fazê-las completas.

Carregam por gerações a sabedoria de que o afeto é bem maior a deixar ao seu rebento e fazem isso com naturalidade, distinção fundamental com os homens, que ainda veem nos seus legados materiais a grande prova da sua passagem por este planeta.

Mulheres que ainda ficam à mercê da História, à mercê do papel “menor” que a sociedade as atribuiu de formar seres humanos.

Que criam seus filhos livres a percorrerem o caminho das suas próprias existências. Mulheres responsáveis pelas gerações libertas pelo carinho, que possibilitam a cada um de nós exercer apenas o que somos, sem esforços, sem expectativas, conectados pelo legado imensurável que é o amor.

terça-feira, 20 de outubro de 2015

Reflexões diante do espelho

Às vezes me pego olhando no espelho e reparando na minha barriga que está bem longe de ser negativa, naquele bigode em volta dos meus lábios, que antes não existia e começa a tomar forma, o chinês.

Também percebo o resultado de uma das Leis de Newton que aprendi no colégio e vejo fazer efeito no meu bumbum, a gravidade.

E ai eu me pergunto: se não existissem espelhos no mundo, lentes ou câmeras a capturar corpos tão esguios e distantes do que eu posso ser, será que minha barriga não seria exatamente do tamanho correto, meu bumbum não teria outro caminho que não  fosse cair e conforme meus lábios ganhassem outros contornos não seria a comprovação empírica dos inúmeros sorrisos e gargalhadas que dei pela vida?!

Mas não. As capas revistas, as modelos loiras e magerrímas, as blogueiras fitness, os manequins pequenos pelas lojas estão a me incutir a ideia da beleza “perfeita”, tão inalcançável ao meu sangue latino-americano, trazendo consigo uma certa angústia pela distância que a separa de mim.

Eu realmente não consigo cortar o glúten só porque corre pelas manchetes da internet que isso me fará emagrecer, e sofro com a lactose que tive que restringir há pouco tempo, desde que meu corpo passou a negar a xícara de leite que me acolhia.

Além disso, sou incapaz de dizer “não” a uma taça de vinho a acompanhar a conversa sem hora para acabar ou o pedaço da sobremesa que eu jurei não querer.

Mesmo assim “vira e mexe” estou perante o espelho contando as celulites que aparecem de tempos em tempos, questionamento o quanto elas realmente me incomodam ou aborrecem o conceito de beleza feminina que circunda tantos filmes, comentários, comparações.

Tenho uma grande e amada amiga que teve seu primeiro filho há pouco tempo e em diversas oportunidades relatou sobre as consequenciais da gravidez no seu corpo, em certos momentos num tom de lamento pelos "estragos" que talvez não serão remediados, porque o nosso corpo, assim com nós, teima em seguir o rumo da mudança.

Eu nunca fiquei grávida, portanto não posso compartilhar com ela essa sensação. A única coisa que compartilho é o olhar apaixonado que o pequenino de 2 anos a lança a cada instante. Esse rapazinho não se lembrará se a barriga da sua amada mãe era "negativa" ou seus braços torneados, mas com certeza levará pela vida o intenso amor que essa mãe linda nutre em seu coração.

Bem, o MEU espelho diz que talvez em 20 ou 30 anos eu não me torne "tia" enxuta, provavelmente levarei no rosto e no corpo exatamente os anos que ainda irei viver e em cada marca a tranquilidade do caminho que percorri com a inteireza que o momento me ofereceu, longe dos padrões de beleza que servem para enriquecer poucos e enlouquecer muitos.


Quem sabe até lá eu consiga encarar esse pequeno aparato que me reflete e enxergue apenas o que eu sou, os sentimentos que me tornam única através dessa figura que meu corpo representa.

terça-feira, 13 de outubro de 2015

Diário da última viagem

Passei alguns dias lá pelos lados no fim do mundo. Aquele pedacinho estreito de terra ao sul do mapa da América: Patagônia Chilena.  Mas naquela terra não há nada de pequeno e estreito. Tudo é grande, imenso, superlativo.

A começar pela natureza intocável da região, na qual fica minha sincera admiração pela capacidade do povo chileno em conviver de modo tão harmonioso com suas riquezas. Eu agradeço, os viajantes agradecem e a natureza retribui.

E que retribuição! Picos nevados que mais parecerem perfeitos desenhos dos mais belos sonhos. Lagos de um azul esverdeado que poucas tintas e pintores seriam capazes de reproduzir com tamanha vivacidade.

Animais soltos pela estrada, nos lembrando quem eram realmente os visitantes, nós, humanos que desejamos compartilhar um pouco das maravilhas que circundam o mundo.

Córregos translúcidos, que se não fosse o vento que congelava meus ossos, me entregaria a um banho para purificar a alma.

A neve que caia do céu tal como nas minhas brincadeiras infantis, como flocos de isopor a enfeitar os pinheiros. 

Precipícios e vales encantados pelas pedras, pelo verde, pela água que espelha o que há ao redor. Bosques com seus tons marrons das árvores debruçadas sobre o solo, a nos recordar que num momento estamos aqui e noutro não mais.

Geleiras que colocam medo e fazem nossos olhos ficarem extasiados pela sua força e magnitude.   
Campos dourados pelo sol que contrastam com o azul que se espalha pelo céu.

E lá no alto, as Torres Del Paine. Quando alcancei sua base, só soube definir como sendo os dedos de Deus. Sim, porque Sua grandiosidade é tão presente que se torna inquestionável. A força que empregou a natureza tira o fôlego de qualquer cético que ainda duvide da Sua existência. 

E a vida pede passagem pelos inúmeros andarilhos que deixam marcas de seus passos pelo barro e pela neve, a que nos indicar um novo caminho, um novo olhar, uma nova experiência.

Meu coração se expande, se engrandece. Gratidão. 

terça-feira, 6 de outubro de 2015

Memórias de uma viajante

Lembro como se fosse hoje da euforia que tomou meu coração no dia em que recebi a notícia do meu pai que passaríamos alguns dias de férias na praia. Eu finalmente iria explorar o parque do Beto Carrero World, que rondava as propagandas e meus sonhos infantis.

Eu era a menina retraída de 12 anos, que morava na Avenida São Domingos, a uma quadra do mercado Cidade Canção e tinha ido pouco além das fronteiras do Paraná.

E lá fomos nós, cinco pessoas apertadas e felizes dentro de um carro popular, que provavelmente não tinha ar-condicionado. Mas esse detalhe não me importava, transpirar durante  horas pelas estradas não diminuía a emoção em viajar, conhecer novos lugares, tudo isso era maior do que qualquer temperatura no verão catarinense.

Dessas férias vem o “fundamento” do meu terrível medo dos brinquedos mais ousados nos parques de diversões: gritei com tanto desespero que o barco dos Vikings parou para eu descer antes que uma de suas pontas alcançasse o alto do céu. A partir de então meu pai nunca mais me obrigou a entrar em qualquer outro brinquedo que eu recusasse, não importava qual fosse o preço do ingresso do parque. Me torne a irmã mais velha café-com-leite e o cabide oficial das bolsas e moletons.

Para mim provavelmente essa foi a primeira viagem que experimentei a contagiante ansiedade em me mover pelos desconhecidos lugares além das quadras do meu bairro, sensação que me acompanha em tantas outras experiências fora dos muros do meu cotidiano.

Sim, porque se há uma “ostentação” que priorizo são alguns carimbos no passaporte, desconhecidos lugares pelo Brasil e novas paisagens pela mente. Sem contar o contato com diferentes pessoas, o prazer de experimentar sabores inusitados e situações inesperadas.

Talvez você esbarre comigo calçando os mesmos sapatos por meses, com a bolsa que completa aniversários (e que pode não combinar com a minha roupa), andando pela cidade de bicicleta ou com o carro de alguém, pois até hoje não tive a coragem de gastar 1 centavo para comprar qualquer automóvel a chamar de meu. Contabilizo seu valor em viagens e desisto. Ah, mas sempre terei um novo caso a contar do lugar que acabei de conhecer, nem que seja pertinho de casa, minha mala está sempre à postos para seguir pelos caminhos inexplorados.

São esses lugares que me garantem a certeza de que o mundo que construí para mim mesma, e pelo qual me aficionada às vezes, é pequeno. Que há sempre alguém feliz a sorrir, com quase nada no bolso, um mar azul sem fim a desfrutar e nada a pagar por isso.

Lugares que recordam minha minudez na imensidão de um deserto ou perto da queda de uma cachoeira. Que sempre é possível dar mais um passo, mesmo depois de exausta, a descobrir outra visão da cidade que eu pensei já ter conhecido o suficiente.

E por ai continuo me surpreendendo com o que sempre há a revelar por esse mundão a fora, e seus efeitos dentro deste minúsculo e insignificante ser, que sou eu mesma.