quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Faço tudo por você

Aquele jantar com o amigo inconveniente e machista. O fim de semana na praia com a colega fofoqueira e baixo-astral. Acordar cedo para te levar no aeroporto, sem conseguir pronunciar meu nome pelo sono que toma meus olhos. Almoço de domingo com a família, pós-balada e ressaca sem precedente. Comprar “o” anel de brilhantes para te pedir em casamento, mesmo que as 12 prestações levem a grana que não tenho.

Eu faço tudo por você, ainda que isso signifique esquecer no eu acredito por tempo indeterminando, tanto tempo que uma hora já nem sei quem sou, a não ser o seu espelho, refletindo seus desejos.

Um fiel cumpridor dos seus íntimos e improváveis anseios, essa é a única forma que aprendemos de manifestar nosso amor.

Mas não se preocupe. Estou aqui diariamente com um bloco de notas mental, computando item por item as volúpias que cumpri em nome do nosso relacionamento. Tão logo você me irrite, esquecerei rapidamente o propósito inicial e tratarei de cuspir os sacrifícios que fiz em seu nome, tudo na mais verdadeira intenção de provar o amor incondicional que nunca tive.

Sim, porque esse papo é lindo e romântico na tela da TV ou nas salas de cinema, na vida real, meu bem, existem diversas condições a cumprir pra que nosso amor funcione.

Faremos o comparativo entre os meus e os seus sacrifícios diários, aplicaremos a subtração e quem sabe alcançaremos o resultado de qual é o maior amor. O outro deverá se disponibilizar em se omitir mais um tiquinho, em nome desse vínculo que se transformou numa equação aritmética.

Talvez um dia, num desses acertos de contas, a gente descubra que o amor se foi junto com a ideia equivocada de que é sempre preciso agradar o outro.

Estaremos frente a frente com o que realmente somos, chocados com a revelação da essência de cada um, há tempos ofuscada pelas exigências diárias de submissão. Nos daremos conta de que o sinônimo de “submissão” não é “amor”, recorreremos ao pai dos burros a nos lembrar o real significado dessa palavra: “aceitação de um estado de dependência”.

Você depende de mim pra cumprir seus desejos, eu aceito cumpri-los como prova do meu empenho em estar contigo.

Diante dessa chocante revelação, quem sabe a gente escolha mudar o rumo desse trem desgovernado que se tornou nossa união.  Experimentar o amor a partir da nossa essência, observando a convergência das intenções e não exigências. Impondo, de uma vez por todas, que o sacrifício não viva entre nós. Dia após dia as expectativas irão se disseminar e aprenderemos a ajustar nossos atritos com parcimônia e não volúpia.

A partir de então, eu nunca mais farei tudo por você, apenas pelo amor que nasce em mim e irradia em sua direção. Te entregarei as flores que brotam do meu peito, meus intentos e pensamentos sutis, os relâmpagos de alegria e suspiros de leveza. Espero que isso lhe baste. 

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