terça-feira, 25 de agosto de 2015

Minha delicada obsessão

É bem possível que eu entre em uma loja de sapatos e saia exatamente da mesma forma que entrei, apenas com aqueles que calçam meus pés. Agora, quando entro em uma livraria, dificilmente conseguirei sair de mãos vazias.

Guardo comigo uma lista escrita e mental dos livros que ainda quero ler, sem contar aqueles que me surpreendem com suas cores, letras e prefácios pelas prateleiras.

A curiosidade em ler cada boa palavra escrita faz transbordar meu coração de euforia. Se eu pudesse, pedia para parar o mundo de vez em quando, só para ler horas seguidas despreocupadamente, longe das tarefas do dia-a-dia.

De uns tempos para cá notei que essa minha delicada obsessão traduz-se em uma simples palavra: compartilhar.

Quem escreve quer compartilhar suas experiências e impressões sobre o mundo que nos cerca e quem lê compartilha a certeza de que no peito de todos passam os mesmos sentimentos: amor, alegria, tristeza, esperança, compaixão, dentre tantos outros descritos de tantos modos.

Nem parece que o meu amor pela leitura começou quase que forçado. Assim que eu mudei de cidade, aos 13 anos, tirei nota baixa em uma prova na escola, meu pai me impôs um castigo de não sair de casa até que eu restabelecesse a boa média. Só que a prova de recuperação seria apenas no final do bimestre, ou seja, 2 longos meses me aguardavam em casa.

Não havia nada a fazer nas tardes quentes sem internet, smartphones, TV à cabo ou amigos na nova cidade desconhecida. Restou-me procurar pelos livros a ocupação para os solitários períodos de tédio, cumprindo a pena imposta, já que eu sempre fui péssima em desobediências.

Para minha felicidade, encontrei pelas incontáveis páginas editadas a companhia e o conforto para diversos outros momentos. A leitura começou a me conduzir por novos mundos, mostrando-me as inúmeras possibilidades de me expressar, a partir das incontáveis personagens e situações que passam pelo meu atento olhar. Os livros transformaram-se no alimento da minha alma.

Tive a capacidade de cometer um furto por esse amor: me apossei de um exemplar de poesias do Vinícius de Moraes da biblioteca da escola. Um dia decidi que só eu o lia, então ele seria mais útil na minha casa. Desde então me segue pelas diversas mudanças que fiz.

A verdade é que, num mundo em que tudo se acessa rapidamente através de telas reluzentes, o que me encanta é a usual página opaca com letras apertadas, a história contada sem pressa, a palavra milimetricamente posta para descrever os sentidos que movem a vida.

Na hora que todos os equipamentos eletrônicos devem ser desligados, é meu amigo fiel que permanece imóvel na palma da minha mão, ajudando-me a distrair dos calafrios dos pousos, decolagens e desavisadas turbulências.

Esse será meu refúgio até os meus últimos dias, porque se tenho poucos desejos para a velhice, certamente um deles traduz-se em estar rodeada pelos livros, bem acomoda na poltrona, lendo incansavelmente até quando meus olhos permitirem.

terça-feira, 18 de agosto de 2015

O medo

O medo de levantar para dançar e parecer ridículo, o medo de encarar a terapia, o medo de ser diferente e incompreendido, o medo de declarar “eu te amo” e não ser correspondido. O medo.

Quantas vezes me senti literalmente paralisada pelo medo, uma inércia que gelava meus ossos. Quantas vezes não agi pela incerteza quase certa que esse sentimento me causava. Inúmeras vezes, perdi a conta.

Esses dias li uma das melhores definições sobre esse sentimento, em alguns dos textos da Paula Abreu: o medo é uma viagem no tempo. Porque ora estamos paralisados pela memória de uma situação passada e não agimos com receio de que ela se repita, ora pela ideia das possíveis consequências no futuro. Ou seja, raramente o medo está fincado no agora.

E isso é tudo obra da nossa magnifica mente que tem a capacidade de criar mundos paralelos tão reais, que sequer nos damos ao trabalho de questionar a sua verdadeira existência.

Por vezes nos deparamos com o discurso insistente que prega a vivência no dia de hoje, na hora de agora, no minuto que dá voltas no relógio neste instante, um papo às vezes sem sentido em tempos ansiosos.

Você tenta exercitar o carpe diem antes de entendê-lo. Mas a sua compreensão é singela: quanto mais presentes nós estamos, mais conseguimos desenvolver a capacidade de olhar para esses mundos mentais paralelos, entender a sua “psico-criação” e desfazê-los. Consequentemente nossa mente retorna ao que realmente existe, o agora.

Assim as experiências negativas do passado ganham menor importância, eis que já se foram, e o futuro poderá ser criado livremente, sem expectativas.

Não que o medo irá magicamente embora. Ele continuará lá, te encarando com olhos inquisitivos, pedindo atenção e inércia, mas você será capaz de estufar o peito e dizer: “medo, fica por ai quietinho enquanto eu dou uma volta pelo mundo, para tomar o que me pertence”.

De repente você levanta para dançar e entende que todo mundo é um pouco cômico quando balança os quadris. Encara a terapia e acalma os monstros que permaneceram turbulentos por anos em você. Assume sua diferença e cessa o esforço inútil e desnecessário em tentar ser igual, afinal, o mundo seria uma chatice sem fim caso todos fossemos idênticos. Declara “eu te amo” encantando-se com a beleza de liberar esse sentimento e caso o outro queira compartilha-lo, a vantagem será maior ainda.

E o medo fica lá, no cantinho, com ares de perplexidade pela dimensão que a vida ganha, tornando-se cada vez menor frente à grandiosidade que todos nós somos. Quem sabe um dia, quase como um milagre inesperado, ele desaparece e notamos que o maior medo, mesmo, era em ser feliz.

terça-feira, 11 de agosto de 2015

Viver além dos rótulos

Tenho reparado nessa nossa tendência em definir as pessoas com as quais convivemos, os sentimentos que nutrimos por elas ou determinadas situações, sendo que, por vezes, ao nos deparamos com a incapacidade de fazê-lo, chegamos a desistir da vivência que podem nos oferecer.

Quantas pessoas titubeiam ou deixam de experimentar uma linda relação amorosa pela ausência do casamento. Realmente acredito que essa instituição é importante, por diversos fatores que não vem ao caso, mas ele deve acontecer naturalmente, pela simples e íntima decisão de dois seres em partilhar as alegrias e as mazelas do dia-a-dia.

E quando o casamento acaba e há aquele senso comum de que os filhos devem repudiar os novos companheiros dos pais e vice-versa (?).

Para quem ainda não sabe, meus pais são separados há mais de 25 anos, casaram-se novamente e eu amo verdadeiramente minha madrasta e meu padrasto. E não haveria de ser diferente. Eles dividem a vida com meu pai e minha mãe e consequentemente fazem parte da minha também. Pensar de outro modo seria excluir um pedaço da minha história.

Ainda que um deles venha a se transformar em ex-padrasto ou ex-madrasta (se é que essas palavras existem) continuarei os amando e convivendo com eles sempre que possível. Eu não excluo pessoas importantes do coração pela ausência de algum “posto”.

Aliás, já presenciei relações belíssimas entre enteados e padrastos/madrastas. Um exemplo bem famoso é do nosso último campeão de surf, aquele que Gabriel Medina chama de pai pelas entrevistas é, aos olhos da lei, seu padrasto.

Minha inveja branca vai também para familiares muito próximos, que conseguiram desenvolver uma linda convivência: a ex-mulher é madrinha da filha do ex-marido com a atual esposa. Isso mesmo, pode ler novamente, você entendeu certo.

E a sogra então? Se você disser que não gosta da sua, terá a compreensão de muita gente. Dia desses pelo parque ouvi uma mulher cuspindo horrores para a amiga sobre a sogra. Não estou ignorando as guerras veladas que permeiam a “posse” do (a) filho (a), mas uma vez superada essa falsa noção de domínio, o amor pode fluir livremente.

Na hipótese de você ainda sentir uma necessidade de se manter socialmente aceito (a), por vezes pode exagerar em algum evento familiar do companheiro, apenas para disfarçar a eventual estranheza que causa um bom convívio (risos!).

É claro que manter uma boa relação não significa a ausência de conflitos, eles são inerentes à nossa natureza. Contudo, conseguimos resolvê-los com mais leveza quando nutrimos sentimentos amorosos e sinceros pelo outro.

Dentre todos esses exemplos, o que me marca é a beleza do amor. Sua grandiosidade está em não ter começo, meio ou fim. Para amar alguém você não precisa deixar de amar o outro. O amor não tem limites, sua infinitude não cabe nas “caixas” que tentamos enquadrá-lo pela vida. Então, vamos jogar todas essas caixas fora e apenas amar, experimentando a vida além de todos os rótulos.

terça-feira, 4 de agosto de 2015

Verdades sinceras me interessam

Já reparou como as pessoas adoram falar que temos que dizer nossa opinião, que somos livres para isso, mas quando acontece é aquela surpresa? Mesmo assim, eu continuo expressando meu sincero ponto de vista quando solicitado.

Um dia o cabeleireiro me perguntou se eu tinha gostado do corte que ele fez em mim. Detestei. Qual foi a minha resposta? Não, não gostei. Ai ele ficou com aquela cara de constrangimento me encarando, até que eu consegui explicar os motivos para o meu desgosto da forma mais agradável que encontrei.

Outro momento de sinceridade engraçado foi com o meu pai. Estávamos em um conhecido restaurante na cidade maravilhosa, o garçom se aproxima para retirar os pratos, quando com a mesma naturalidade com que limpa a mesa indaga: “gostaram da comida?”. Meu pai, o sincera-chefe, solta um belo NÃO.

A gargalhada foi tão inevitável quanto a surpresa da resposta. Enquanto isso o garçom se afastava cuidadosamente, antes que se deparasse com outras sinceridades naquela mesa de caipiras (havia apenas um paulistano por lá, perdido, diluindo nossas caipirices).

Minha mãe segue a mesma política, dizendo a sua opinião a quem requisitar e quiser ouvir. A combinação explosiva entre os dois sou euzinha, que cada dia avança um degrau na hierarquia da franqueza.

Às vezes estou eu e meu marido jantando calmamente e ele me pergunta algo relativamente polêmico, antes de eu ir direto ao ponto faço um “questionamento preliminar”: você quer a MINHA opinião ou aquela que VOCÊ deseja ouvir? Essa sensibilidade é fundamental em muitos momentos para a pacífica convivência social.

Certa vez, uma pessoa muito amada fez uma observação curiosa sobre essa minha aventura libertária em ser sincera, “nem todos conseguem se expressar abertamente sobre seus pensamentos e sentimentos como você”. Confesso que no momento da revelação fiquei estarrecida por alguns segundos. Dentre todas as minhas verdades, essa ainda não tinha claramente definido.

Considerando que a gente julga os outros por nós mesmos, eu sempre presto atenção a quem irei indagar algo e como.

Se estou decidida em tomar certa atitude, dificilmente questionarei o que o outro pensa, para não correr o risco de ouvir sua opinião contrária, seguir com a minha e a pessoa ficar chateada pelo conselho sumariamente ignorado.

Se preciso de uma opinião franca, mas já tenho uma ideia relativamente formada, direciono a pergunta, tipo: “você pensa que agi MUITO errado?” – em outras palavras, eu sei que agi errado, só quero ter uma visão do outro sobre a “extensão do dano”.

Caso eu ainda não tenha nenhuma ideia ou uma dúvida cruel, exponho a situação, faço a pergunta e respiro fundo, permanecendo com aquele frio na barriga até que os intermináveis segundos de introdução da resposta alcancem o ponto central e eu possa me deparar com a verdade do outro, que clareia minha vida.

A minha conclusão é que para a maioria das perguntas que fazemos já temos implicitamente o que queremos ouvir, qualquer coisa que fuja desse roteiro das bem-comportadas respostas nos deixa meio sem rumo.

Mas, definitivamente, só as opiniões abertas são capazes de nos levar para novos mundos e horizontes, pontos de vistas diferentes nos fazem repensar os parâmetros que diariamente impomos na condução de nossas vidas. Elas são essenciais para a construção de novos pensamentos e olhares, por isso, verdades sinceras me interessam.