terça-feira, 27 de outubro de 2015

Mulheres e suas gerações libertas

Meu nome é Beliza, da minha mãe Rosangela e da minha avó Maria Elza. Meu irmão se chama Rui, meu pai se chama Rui. Meu sogro se chama Armando, seu pai se chamava Armando e meu marido também seria Armando, se não fosse minha sogra se opor à perpetuação do nome. Nunca foi uma hipótese para minha família que eu fosse a Rosangela Filha.

Quando eu nasci, minha mãe não elucubrou sobre qual seria a minha futura profissão. Para ela, eu poderia ser médica, fotógrafa, arquiteta ou dona de casa. Seu desejo íntimo naquele e em outros momentos era que eu me transformasse em uma mulher inteira, feliz e independente. Portanto, no momento em que marquei o “X” no formulário do vestibular, ela apenas torceu para que minha escolha se tornasse real.

Para ela nunca existiram planos para que eu continuasse qualquer trabalho que ela houvesse começado durante a sua existência. Sua missão era ser mãe, educar, me alimentar, me ensinar a ser uma pessoa correta nesse mundo com diversos caminhos tortos.

Mas quando minha mãe nasceu era para ela ser homem. O desgosto que essa situação casou ao meu avô fez com que ele não recebesse o nascimento da filha com o carinho e o amor devido para a ocasião. Não se espantem, tenho certeza que relatos semelhantes se repetem em diversas famílias. Há pouco tempo era comum que a continuação da estirpe apenas se fizesse concerta com o nascimento do filho macho.

O filho varão a prosseguir o minúsculo feudo particular que criamos em cada núcleo. Aquele a se tornar médico e levar pelos corredores dos hospitais o sobrenome do pai que também circulou por ali. O garoto a transmudar-se no advogado de sucesso que um dia foi seu genitor, mantendo a placa em frente ao prédio com as mesmas letras por incontáveis anos.

Os meninos que assinam o mesmo nome, sobrenome e guardam feições dos seus antecessores, mas falham na missão ingrata de perpetuar a vida do outro, como se fossem simples extensões dos caminhos que os primeiros traçaram.

Ah, mas as mulheres. As mulheres parem seus bebês com o desejo de amá-los, cuidá-los, educá-los seres melhores do que elas são e foram, impondo nessa tarefa a missão maior de contribuir com seres humanos dignos num mundo que ainda persiste pelos devaneios do autoritarismo, egoísmo e ganância.

Elas não tem consigo a vaidade de eternizar o seu nome na vida de outra pessoa. Seus sobrenomes encaixados dentre outros, quando estão por lá, acompanhados do sorriso de sua prole é o suficiente para fazê-las completas.

Carregam por gerações a sabedoria de que o afeto é bem maior a deixar ao seu rebento e fazem isso com naturalidade, distinção fundamental com os homens, que ainda veem nos seus legados materiais a grande prova da sua passagem por este planeta.

Mulheres que ainda ficam à mercê da História, à mercê do papel “menor” que a sociedade as atribuiu de formar seres humanos.

Que criam seus filhos livres a percorrerem o caminho das suas próprias existências. Mulheres responsáveis pelas gerações libertas pelo carinho, que possibilitam a cada um de nós exercer apenas o que somos, sem esforços, sem expectativas, conectados pelo legado imensurável que é o amor.

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