terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Amores tortos

Ela estava com a idade pra fazer tudo o que o corpo pede e que a mente esquece. Sem compromisso com ninguém, além da sua diversão e do libertário prazer que vez ou outra tomava conta de suas veias. O frenesi dos descobrimentos, dos desencantos e inevitáveis desamores depois de um tempo de clausura.

Ele guardava consigo seus pensamentos e levava nos olhos a doçura de observar o mundo com ternura. No revés de dizer não, mantinha uma relação que pouco lhe interessava, de modo que buscava em novos horizontes tantas completudes bastassem para seu intento.

Os dois caminhando livremente pela vida, com olhos atentos e sentidos aguçados.

Pois um dia se perceberam quase sem querer, numa festa que ela resolveu ir de última hora. Se arrumou com pressa em frente ao espelho pequeno no quarto da amiga, seguiram juntas cantarolando e rindo diante das surpresas que a noite sempre revelava.

Ele saiu com a discrição de sempre, poucas palavras, gestos contidos, respostas vagas.

Os dois estavam no mesmo local, balançando ao som dos turbulentos ritmos tropicais que despertam os instintos por vezes adormecidos nas ancas. Partiram ao encontro que iniciaria o longo trajeto de descaminhos até o ajustamento de condutas.

Ela fugia da perseguição insistente de um amigo inconveniente, ele a salvava com a delicadeza que ela ainda não tomara pra si como gesto de grandeza. Ali nasceu o primeiro olhar, o primeiro sentido para o que cada um despertava no outro, a percepção do novo, percursos assustadores que levariam a lugares por vezes sombrios e depois clarividentes.

Começaram a se amar quase sem querer naquele instante. Os amores não se anunciam, quando se nota estão instalados e sem hora marcada pra sair. Um desespero.

Foi isso o que ela sentiu depois do primeiro encontro, ao deitar-se na cama na aurora do dia, conferir seu peito e notar que algo novo além do deslumbramento: desespero.

Sim, porque de súbito se recordou da vagueza com que ele havia mencionado uma namorada dias antes. Não se conteve, enviou naquele mesmo instante a mensagem com pergunta fatídica a ele. A ausência de retorno era a confirmação que temia para os próximos dias de angústia.

Mesmo assim foram se amando, conforme o tempo permitia e sem notar o quanto um e outro iam se imiscuindo na pele alheia. A alma que se enchia daquilo que não se descreve por qualquer palavra que há no mundo, porque amor é pequeno e não cabe em tudo que viviam quando estavam juntos.

Ela também sofria, por não ser inteira da forma que sempre se acostumou a ser. Não conseguia compreender esses encontros pelos cantos, essa ausência de conversas sinceras, então resolveu dar o cheque-mate para por fim aos dias intermináveis. Ele reagiu conforme se previa, sem a correspondência do amor e ela resolveu ir embora aos prantos que demoraram a secar.

Com a beleza que tomava conta de seus olhos, logo se fez com outro amor. Ele não pôs credo na agilidade com que ela se arranjou, tratou de fazer cerca na tentativa de semear o sentimento que outrora existiu.

Ela firme não se dissuadiu, viveu o que sua índole detinha sem esmorecer. Ele ficou sentido, naquele desconjuramento de que tudo tinha se acabado.

Mas o destino prega suas peças. Pois ele terminou de vez aquele descompromisso que já não havia como prosseguir, ela foi surpreendida com o fim das paixões por aquele que guardava afeto.

De uma hora pra outra estavam de novo juntos, ele e ela, ao som da mesma música, saboreando a mesma fruta (que ele sempre tratava de levar pra ela) e aprendendo a amar mais uma vez aquele amor que pensavam ter se perdido. 

Foram se cheirando sem pressa, sem receios, sem planos ou insinuações. De repente estavam sós, suficientes, inteiros e dispostos.

Percorrem juntos esses caminhos sinuosos da convivência, do dia-a-dia, do aconchego e desatinos. Hoje ele aprendeu a reverberar com um tico de facilidade, embora o olhar de ternura permaneça em tudo que vê. Ela entendeu que ser firme não é ser dura e segue exercitando passos leves.

Não é Eduardo e Mônica, somos eu, você e tantos outros que cruzam as esquinas neste instante.

O amor nos trouxe tortos e nos fez direitos.

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