Amores tortos
Ela estava com a idade pra fazer tudo o
que o corpo pede e que a mente esquece. Sem compromisso com ninguém, além da
sua diversão e do libertário prazer que vez ou outra tomava conta de suas
veias. O frenesi dos descobrimentos, dos desencantos e inevitáveis desamores
depois de um tempo de clausura.
Ele guardava consigo seus pensamentos e
levava nos olhos a doçura de observar o mundo com ternura. No revés de dizer
não, mantinha uma relação que pouco lhe interessava, de modo que buscava em
novos horizontes tantas completudes bastassem para seu intento.
Os dois caminhando livremente pela
vida, com olhos atentos e sentidos aguçados.
Pois um dia se perceberam quase sem
querer, numa festa que ela resolveu ir de última hora. Se arrumou com pressa em
frente ao espelho pequeno no quarto da amiga, seguiram juntas cantarolando e
rindo diante das surpresas que a noite sempre revelava.
Ele saiu com a discrição de sempre,
poucas palavras, gestos contidos, respostas vagas.
Os dois estavam no mesmo local,
balançando ao som dos turbulentos ritmos tropicais que despertam os instintos por
vezes adormecidos nas ancas. Partiram ao encontro que iniciaria o longo trajeto
de descaminhos até o ajustamento de condutas.
Ela fugia da perseguição
insistente de um amigo inconveniente, ele a salvava com a delicadeza que ela
ainda não tomara pra si como gesto de grandeza. Ali nasceu o primeiro olhar, o
primeiro sentido para o que cada um despertava no outro, a percepção do novo,
percursos assustadores que levariam a lugares por vezes sombrios e depois
clarividentes.
Começaram a se amar quase sem querer
naquele instante. Os amores não se anunciam, quando se nota estão instalados e sem hora marcada pra sair. Um desespero.
Foi isso o que ela sentiu depois do
primeiro encontro, ao deitar-se na cama na aurora do dia, conferir seu peito e
notar que algo novo além do deslumbramento: desespero.
Sim, porque de súbito se recordou da
vagueza com que ele havia mencionado uma namorada dias antes. Não se conteve,
enviou naquele mesmo instante a mensagem com pergunta fatídica a ele. A
ausência de retorno era a confirmação que temia para os próximos dias de
angústia.
Mesmo assim foram se amando, conforme o
tempo permitia e sem notar o quanto um e outro iam se imiscuindo na pele
alheia. A alma que se enchia daquilo que não se descreve por qualquer palavra
que há no mundo, porque amor é pequeno e não cabe em tudo que viviam quando
estavam juntos.
Ela também sofria, por não ser inteira
da forma que sempre se acostumou a ser. Não conseguia compreender esses
encontros pelos cantos, essa ausência de conversas sinceras, então resolveu dar o cheque-mate para por fim aos dias intermináveis. Ele reagiu conforme se
previa, sem a correspondência do amor e ela resolveu ir embora aos prantos que
demoraram a secar.
Com a beleza que tomava conta de seus
olhos, logo se fez com outro amor. Ele não pôs credo na agilidade com que ela
se arranjou, tratou de fazer cerca na tentativa de semear o sentimento que
outrora existiu.
Ela firme não se dissuadiu, viveu o que
sua índole detinha sem esmorecer. Ele ficou sentido, naquele desconjuramento de
que tudo tinha se acabado.
Mas o destino prega suas peças. Pois
ele terminou de vez aquele descompromisso que já não havia como prosseguir, ela
foi surpreendida com o fim das paixões por aquele que guardava afeto.
De uma hora pra outra estavam de novo
juntos, ele e ela, ao som da mesma música, saboreando a mesma fruta (que ele
sempre tratava de levar pra ela) e aprendendo a amar mais uma vez aquele amor
que pensavam ter se perdido.
Foram se cheirando sem pressa, sem
receios, sem planos ou insinuações. De repente estavam sós, suficientes,
inteiros e dispostos.
Percorrem juntos esses caminhos
sinuosos da convivência, do dia-a-dia, do aconchego e desatinos. Hoje ele
aprendeu a reverberar com um tico de facilidade, embora o olhar de ternura
permaneça em tudo que vê. Ela entendeu que ser firme não é ser dura e segue
exercitando passos leves.
Não é Eduardo e Mônica, somos eu, você
e tantos outros que cruzam as esquinas neste instante.
O amor nos trouxe tortos e nos fez
direitos.
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