sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Somos de nenhum lugar e de todos

Quando eu era criança minhas tias me contavam que meus olhos verdes originavam-se da Holanda. Meu avô paterno era nordestino, lá do Ceará, rezava a lenda que o pai dele (ou será o avô?!) atravessou o Atlântico a caminho do novo mundo.

Depois que cresci disseram-me outra versão, não era Holanda, era Finlândia, o país que me passou esquecido ao lado da Noruega.

Minha avó paterna, muito bem, obrigada, com seus 91 anos (e se pudesse viveria outros 91), tem suas origens naquele povo nômade, que anda por tantos lugares que eu sequer me atrevo a dizer que pertencem a um só: ciganos. Tenho certeza que graças a esse sangue faço tanto as minhas malas que elas poderiam ficar arrumadas sempre.

Meu avô materno, uma das minhas expressões mais lindas de amor, era negro. Negro com os cabelos brancos desde os seus jovens 30 anos. A ele devo meus cachos e aqueles fios incolores dos quais já falei por aqui. Ele era de Minas Gerais, certamente sua família tem origem nos diversos quilombos que existiram para conferir um pouco de liberdade a um povo que foi trazido forçado, contrabandeado e escravizado nos navios negreiros.

A Dona Elza, minha avó materna, tem seus traços de índios bem fortes: pele morena, cabelos lisos e escuros. Ela também é lá das bandas de Minas Gerais (sô!), embora ela e meu avô tenham se cruzado nas terras vermelhas do norte do Paraná, na época das oportunidades de trabalho por conta da economia que o café ditava.

Além dos índios, essa minha avó tem resquícios dos lados de Camões. Sua avó, que viveu até 103 anos, atravessou o mar num navio, casou-se, teve muitos filhos, netos, bisnetos, eu a conheci, ainda bem pequena.

E depois de toda essa árvore genealógica, vocês me entendem quando alguém me pergunta qual é a minha descendência eu resumo em índios, negros e europeus. A mais pura brasileira.

Mas em um cenário mundial que continua abalado por misérias, guerras e injustiças, eu me questiono: o que seria de mim se este país em que tudo dá não tivesse acolhido essas pessoas que juntas me trouxeram a vida? O que seria deste país se essas pessoas não tivessem se aventurado na busca de condições melhores, na falta de opção em voltar para casa?

Sim, porque ninguém sai da sua terra natal, ninguém muda de onde nasceu, caso não seja forçado a isso por qualquer circunstância, principalmente quando falamos em necessidades primordiais, como comer e andar pelas ruas sem que uma bomba te atinja.

Neste mundo no qual nós inventamos os limites territoriais, rapidamente nos tornamos tão aficionados a eles que passamos a possuir o que é de todos, como se nunca tivesse existido outro dono que não fossemos nós mesmos. As fronteiras tornam-se mais importante do que os seres humanos.

Então, da próxima vez que olhar para um descendente de italiano, alemão ou espanhol, lembre-se que seus antepassados deixaram os tão desejamos países de primeiro mundo porque passavam fome por lá, sua cútis e olhos claros não foram suficientes a afastar essa condição.

Se esbarrar com aquele menino mulato, lembre-se que seus tataravôs negros foram raptados, com famílias vendidas em partes e passaram de homens livres a escravos sem ao menos saber por que, e mesmo assim, quantos sobreviveram.

Se cruzar com um haitiano, chinês ou boliviano pelas ruas de São Paulo, tenha em mente que tal como muitos de sua família fizeram no passado, eles tem o direito em buscar um destino melhor.

A questão é da Europa, é do Brasil, de todos os lugares.

Ninguém é de lugar nenhum e o mundo é de todos, nós criamos as fronteiras entre os países, assim como as limitações da nossa mente em não ver o outro como nós mesmos. Mais compaixão.

3 comentários:

  1. Zilma
    Eu escrevi , escrevi e não consegui publicar?!

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Vou tentar outra vez.

    Achei lindo o sentimento que vc nutre pelos seus avós do lado materno. Realmente nos somos a soma das gerações que nos antecede.
    A terra é de todos. Não deveria ter fronteiras. Deveríamos ter o direito de ir e vir a qualquer lugar
    Quem diria que aquela necessidade de se agrupar para se proteger e se ajudarem uns aos outros com o passar do tempo se tornaria um mundo cruel e cheio egoísmo capaz de matar qualquer um de uma maneiras tão perversa para satisfazer seus planos.
    Isto porque temos uma natureza indomável
    Mudar isto.....
    Vamos falar um pouquinho do lado paterno. O avô do seu pai era holandês. Vermelho para os cearense e ruivo para nós. Dizem que era lindo"que lindo", daí o sobre nome Deolindo. E o bisavô dele do lado materno era um espanhol. Era professor, gostava de cantar, tocar viola, escrevia, principalmente versos. Era machista, suas filhas nunca foram a escola. Naquele época mulher não podia.Isto eu ouvi de minha avó. Olhe o lado intelectual donde vem. Como vc mesmo disse eu tb concordo. Se não fosse a mistura dessa gente não seríamos o que somos. Vou te disser ainda a minha avó do lado materno tb de Minas e se não me engano de origem cigana.. Está vendo porque vc e tão bela e inteligente? Sou coruja. Beijos.

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