Somos de nenhum lugar e de todos
Quando eu era criança minhas tias
me contavam que meus olhos verdes originavam-se da Holanda. Meu avô paterno era
nordestino, lá do Ceará, rezava a lenda que o pai dele (ou será o avô?!)
atravessou o Atlântico a caminho do novo mundo.
Depois que cresci disseram-me
outra versão, não era Holanda, era Finlândia, o país que me passou esquecido ao
lado da Noruega.
Minha avó paterna, muito bem, obrigada, com seus 91 anos (e se pudesse viveria outros 91), tem suas origens
naquele povo nômade, que anda por tantos lugares que eu sequer me atrevo a
dizer que pertencem a um só: ciganos. Tenho certeza que graças a esse sangue
faço tanto as minhas malas que elas poderiam ficar arrumadas sempre.
Meu avô materno, uma das minhas
expressões mais lindas de amor, era negro. Negro com os cabelos brancos desde os
seus jovens 30 anos. A ele devo meus cachos e aqueles fios incolores dos quais já falei por aqui. Ele era de Minas
Gerais, certamente sua família tem origem nos diversos quilombos que existiram
para conferir um pouco de liberdade a um povo que foi trazido forçado,
contrabandeado e escravizado nos navios negreiros.
A Dona Elza, minha avó materna,
tem seus traços de índios bem fortes: pele morena, cabelos lisos e escuros. Ela
também é lá das bandas de Minas Gerais (sô!), embora ela e meu avô tenham se cruzado
nas terras vermelhas do norte do Paraná, na época das oportunidades de trabalho
por conta da economia que o café ditava.
Além dos índios, essa minha avó
tem resquícios dos lados de Camões. Sua avó, que viveu até 103 anos, atravessou
o mar num navio, casou-se, teve muitos filhos, netos, bisnetos, eu a conheci, ainda
bem pequena.
E depois de toda essa árvore genealógica,
vocês me entendem quando alguém me pergunta qual é a minha descendência eu
resumo em índios, negros e europeus. A mais pura brasileira.
Mas em um cenário mundial que
continua abalado por misérias, guerras e injustiças, eu me questiono: o que
seria de mim se este país em que tudo dá não tivesse acolhido essas pessoas que
juntas me trouxeram a vida? O que seria deste país se essas pessoas não
tivessem se aventurado na busca de condições melhores, na falta de opção em voltar
para casa?
Sim, porque ninguém sai da sua
terra natal, ninguém muda de onde nasceu, caso não seja forçado a isso por
qualquer circunstância, principalmente quando falamos em necessidades
primordiais, como comer e andar pelas ruas sem que uma bomba te atinja.
Neste mundo no qual nós
inventamos os limites territoriais, rapidamente nos tornamos tão aficionados a
eles que passamos a possuir o que é de todos, como se nunca tivesse existido
outro dono que não fossemos nós mesmos. As fronteiras tornam-se mais importante
do que os seres humanos.
Então, da próxima vez que olhar
para um descendente de italiano, alemão ou espanhol, lembre-se que seus
antepassados deixaram os tão desejamos países de primeiro mundo porque passavam
fome por lá, sua cútis e olhos claros não foram suficientes a afastar essa
condição.
Se esbarrar com aquele menino mulato,
lembre-se que seus tataravôs negros foram raptados, com famílias vendidas em
partes e passaram de homens livres a escravos sem ao menos saber por que, e
mesmo assim, quantos sobreviveram.
Se cruzar com um haitiano, chinês
ou boliviano pelas ruas de São Paulo, tenha em mente que tal como muitos de
sua família fizeram no passado, eles tem o direito em buscar um destino melhor.
A questão é da Europa, é do
Brasil, de todos os lugares.
Ninguém é de lugar nenhum e o
mundo é de todos, nós criamos as fronteiras entre os países, assim como as
limitações da nossa mente em não ver o outro como nós mesmos. Mais compaixão.
Zilma
ResponderExcluirEu escrevi , escrevi e não consegui publicar?!
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirVou tentar outra vez.
ResponderExcluirAchei lindo o sentimento que vc nutre pelos seus avós do lado materno. Realmente nos somos a soma das gerações que nos antecede.
A terra é de todos. Não deveria ter fronteiras. Deveríamos ter o direito de ir e vir a qualquer lugar
Quem diria que aquela necessidade de se agrupar para se proteger e se ajudarem uns aos outros com o passar do tempo se tornaria um mundo cruel e cheio egoísmo capaz de matar qualquer um de uma maneiras tão perversa para satisfazer seus planos.
Isto porque temos uma natureza indomável
Mudar isto.....
Vamos falar um pouquinho do lado paterno. O avô do seu pai era holandês. Vermelho para os cearense e ruivo para nós. Dizem que era lindo"que lindo", daí o sobre nome Deolindo. E o bisavô dele do lado materno era um espanhol. Era professor, gostava de cantar, tocar viola, escrevia, principalmente versos. Era machista, suas filhas nunca foram a escola. Naquele época mulher não podia.Isto eu ouvi de minha avó. Olhe o lado intelectual donde vem. Como vc mesmo disse eu tb concordo. Se não fosse a mistura dessa gente não seríamos o que somos. Vou te disser ainda a minha avó do lado materno tb de Minas e se não me engano de origem cigana.. Está vendo porque vc e tão bela e inteligente? Sou coruja. Beijos.