Mal – entendidos do amor
Dias desses estava viajando com
alguns amigos e um deles chegou sem a namorada. A pergunta recorrente, até que
todos fossem devidamente atualizados, era sobre o seu paradeiro.
O desenrolar dos fatos foi mais
ou menos o seguinte: ele estava em um bar com um amigo, que lhe emprestou o
cartão para pagar a conta e entrou na balada ao lado. Na sequência, o meu amigo
foi encontrá-lo por 10 minutos para devolver o cartão (segundo a sua versão), nesse
meio tempo o celular não funcionava, a namorada ligou e esbarrou na caixa-postal.
Pronto, todos os fatos necessários para uma bela discussão estavam ali, à
disposição para o iminente desentendimento.
No dia seguinte a namorada
começou com aquelas pequenas implicâncias que só as mulheres são capazes de
colocar em prática. Tudo que meu amigo falava era motivo para uma chatice sem
precedente ser incluída na conversa.
Em um desses momentos, já no
carro, prontos para irem nos encontrar na praia, a namorada simplesmente diz
que não quer mais ir, abre a porta e sai. Meu amigo, cansado dos melodramas
femininos, nada faz para impedi-la e segue viagem.
Resultado, eles passaram o fim de
semana longe um do outro. Ele lá, falando dela a cada cinco minutos, e também
mal das mulheres, quase como um analgésico para alívio da falta que ela fazia.
E ela cá, certamente remoendo os acontecimentos com suas amigas, contando da
briga e do último “absurdo” que o namorado havia aprontado, mas também sentindo
muita falta dele e elucubrando sobre como ocupava as horas em que estavam
separados.
Antes que os homens partam em
defesa do seu gênero e as mulheres façam o mesmo, acalmem-se. Não existem
culpados nem inocentes nesta história. Para mim, o que ela retrata é a nossa incapacidade
em manter uma comunicação clara com nossos tão desejados parceiros de
relacionamento, mesmo depois de termos frequentando boas escolas, lido bons
livros e sendo bem articulados.
Ora, custava a namorada ter sido
franca sobre a forma que se sentiu no momento em que descobriu que ele estava
na balada, certamente ludibriada, porque a história inicial era que ficaria num
bar e de repente não era mais isso.
Custava meu amigo ter explicado
calmamente os acontecimentos e ao invés de manter-se inerte quando ela desceu
do carro, gastar um pouco da sua sinceridade e confessar que o fim de semana
não seria o mesmo sem ela, porque quando amamos desenvolvemos essa incrível
capacidade de descobrir o mundo também através dos olhos do outro, os nossos
não são mais suficientes para isso.
Nada disso foi feito e os dois
permaneceram tristes em pontos diferentes do estado, sofrendo com seus corações
apertados e egos inflados.
Enquanto isso, eu aqui intrigada
com a percepção de que muitas vezes não passamos de crianças birrentas
escondidas em corpos adultos. Continuamos desejando que nosso descontentamento
seja satisfeito instantaneamente, com uma leitura de pensamento e que o mundo
se ajuste aos nossos mais íntimos anseios num passe de mágica.
Talvez o meu casal de amigos
tenha voltado ao seu confuso amor no momento em que escrevo este texto, mas as
pequenas dores diárias pelos mal-entendidos que causam a si mesmos podem se
prolongar e até mesmo destruir o belo sentimento que os une.
Ser franco com o outro nas
questões do coração, revelar os sentimentos mais íntimos e os desejos genuínos,
pode até significar fragilidade para alguns, mas é essencialmente fidelidade a
sua verdade, a verdade que o amor imprime em nós.
Se não formos capazes de expor o
que realmente somos ao outro, nunca saberemos se ele ama o que somos ou a ideia
que faz de nós, a qual alimentamos diariamente pelos meandros da nossa
existência.
Amar requer a coragem de ser sincero
consigo mesmo e com o outro, e isso chega a ser para poucos.