Mulheres e suas gerações libertas
Meu nome é Beliza, da minha mãe Rosangela
e da minha avó Maria Elza. Meu irmão se chama Rui, meu pai se chama Rui. Meu
sogro se chama Armando, seu pai se chamava Armando e meu marido também seria
Armando, se não fosse minha sogra se opor à perpetuação do nome. Nunca foi uma
hipótese para minha família que eu fosse a Rosangela Filha.
Quando eu nasci, minha mãe não
elucubrou sobre qual seria a minha futura profissão. Para ela, eu poderia ser médica,
fotógrafa, arquiteta ou dona de casa. Seu desejo íntimo naquele e em outros
momentos era que eu me transformasse em uma mulher inteira, feliz e
independente. Portanto, no momento em que marquei o “X” no formulário do vestibular,
ela apenas torceu para que minha escolha se tornasse real.
Para ela nunca existiram planos
para que eu continuasse qualquer trabalho que ela houvesse começado durante a
sua existência. Sua missão era ser mãe, educar, me alimentar, me ensinar a ser
uma pessoa correta nesse mundo com diversos caminhos tortos.
Mas quando minha mãe nasceu era
para ela ser homem. O desgosto que essa situação casou ao meu avô fez com que
ele não recebesse o nascimento da filha com o carinho e o amor devido para a
ocasião. Não se espantem, tenho certeza que relatos semelhantes se repetem em diversas
famílias. Há pouco tempo era comum que a continuação da estirpe apenas se
fizesse concerta com o nascimento do filho macho.
O filho varão a prosseguir o
minúsculo feudo particular que criamos em cada núcleo. Aquele a se tornar
médico e levar pelos corredores dos hospitais o sobrenome do pai que também circulou
por ali. O garoto a transmudar-se no advogado de sucesso que um dia foi seu genitor,
mantendo a placa em frente ao prédio com as mesmas letras por incontáveis anos.
Os meninos que assinam o mesmo
nome, sobrenome e guardam feições dos seus antecessores, mas falham na missão
ingrata de perpetuar a vida do outro, como se fossem simples extensões dos
caminhos que os primeiros traçaram.
Ah, mas as mulheres. As mulheres
parem seus bebês com o desejo de amá-los, cuidá-los, educá-los seres melhores
do que elas são e foram, impondo nessa tarefa a missão maior de contribuir com
seres humanos dignos num mundo que ainda persiste pelos devaneios do
autoritarismo, egoísmo e ganância.
Elas não tem consigo a vaidade de
eternizar o seu nome na vida de outra pessoa. Seus sobrenomes encaixados dentre
outros, quando estão por lá, acompanhados do sorriso de sua prole é o
suficiente para fazê-las completas.
Carregam por gerações a sabedoria
de que o afeto é bem maior a deixar ao seu rebento e fazem isso com
naturalidade, distinção fundamental com os homens, que ainda veem nos seus
legados materiais a grande prova da sua passagem por este planeta.
Mulheres que ainda ficam à mercê
da História, à mercê do papel “menor” que a sociedade as atribuiu de formar
seres humanos.
Que criam seus filhos livres a
percorrerem o caminho das suas próprias existências. Mulheres responsáveis
pelas gerações libertas pelo carinho, que possibilitam a cada um de nós exercer
apenas o que somos, sem esforços, sem expectativas, conectados pelo legado
imensurável que é o amor.