terça-feira, 28 de julho de 2015

Meus cabelos brancos

Eu não sou uma das pessoas mais vaidosas que conheço. Para ser sincera, nunca tive grandes insatisfações em relação ao meu corpo e à minha aparência. Um dia me sinto mais bonita, noutros nem tanto, na média vivo em paz com o espelho.

Só que no dia que eu encontrei o meu primeiro cabelo branco por acaso, no escuro do banheiro da balada, senti um certo desconforto, a inquieta constatação da passagem do tempo.

Usamos corriqueiramente o jargão “ah, o tempo passa”, mas até os 20 ou 30 e poucos anos, a noção dessa passagem é similar a que temos quando assistimos ao último capítulo da novela, como se “5 anos depois...” magicamente tudo se resolvesse. A vida real apresenta outras complicações.

A complicação específica naquele dia, em frente ao espelho escuro, era a minha vida profissional. O ambiente de trabalho do qual eu fazia parte e o modo como eu desenvolvia diariamente minhas atividades não me satisfaziam.

Eu oscilava entre constantes incômodos e alguns momentos de alívio, que acabavam sendo um paliativo para suportar novos e mais prolongados períodos de vazio.

Algumas pessoas com as quais eu era obrigada a conviver carregavam valores muito diferentes dos meus e assistir ao modo como “atuavam” me matava aos poucos.

Depois de dias intermináveis de angústia, noites mal-dormidas, reflexões e inúmeras conversas, consegui compreender, assimilar, que não há um único caminho a percorrer para a realização profissional.

Pedi demissão, me libertei da prisão que eu havia criado e jogado as chaves fora. Resgatei as chaves, resgatei a mim mesma. Desde então descubro novos modos de exercer o que sou, as definições tornaram-se desnecessárias, sou várias dentro de uma só.

Para você, talvez não seja o cabelo branco, mas sim o marido pedindo carinhosamente atenção ao casamento, ou o filho, ou você mesmo com a vontade de ficar consigo. Seja lá o que for, preste atenção.

Ouça seu peito, ele tem muito mais a dizer do que as planilhas exatas do Excell, o plano de carreira do escritório ou a ideia equivocada de sucesso que você comprou pelas bancas de revista.


A conta entre as penosas horas até o final de semana e os dois dias de alegria nunca irá fechar. Decida viver agora de acordo com o que te faz sentido, crie seu próprio conceito de sucesso a partir dos vários caminhos que existem em você. Assim, novos cabelos brancos serão descobertos com a tranquilidade de que o tempo que os trouxe foi inteiramente vivido.

terça-feira, 21 de julho de 2015

Desejos modernos

Desejo que você perca seu celular ou ao menos o esqueça no criado-mudo, só por hoje.

Assim nós seremos capazes de estar nos mesmos lugares, sentindo os mesmos sabores, vendo as mesmas cores e ouvindo os mesmos sons.

Assim eu terei a chance de saber mais sobre seus gostos, medos e desejos sem que um pequeno aparato tecnológico nos coloque em mundos tão distantes.

Terei a oportunidade de olhar nos seus olhos e dizer o quanto você importa na minha vida e a imensa falta que faz durante as incontáveis horas em que só os teclados dos smartphones tem sua atenção.

Erga a cabeça, a vida acontece enquanto seu pescoço se dobra e seus dedos se apressam para a tela colorida, e toda essa vida desperdiçada jamais voltará.

Talvez um dia você descubra que o mundo acontecia, fervia e se transformava enquanto curtia fotos sem sentido, que mostravam a vida irreal de capa de revista que ninguém tem.

Confesso que tenho certa dificuldade em compreender essa fixação por um mundo com palavras abreviadas, fotos desfocadas, poucas vozes e nenhum cheiro.

Talvez essa minha incompreensão seja porque num tempo próximo que vivi, o amor era declarado ao pé do ouvido, com toda a doação que o momento permite e não neste em que muitas vezes é espalhado pelas redes sociais, enquanto a pessoa amada aguarda o espaço que resta entre as pausas da internet.

Nesse mesmo tempo, nosso desprendimento permitia passar em frente à casa de um amigo, tocar a campainha e simplesmente entrar, sem qualquer prévio aviso. Não era necessária a troca de inúmeras mensagens por encontros que raramente acontecem.

Hoje eu proponho que você experimente o mundo sem filtros, cheio de quedas e ascensões que a realidade oferece. Lembre-se que as grandes emoções só podem ser sentidas com as mãos livres e a cabeça ao alto, contemplando o horizonte.

terça-feira, 14 de julho de 2015

Escrever e estar nua

Você pode até ler o título deste texto e pensar que uma coisa não tem nada a ver com a outra. Bem, para mim, uma está completamente ligada à outra.

Uma das minhas primeiras experiências com as palavras foi quando me apaixonei pela primeira vez: escrevia poemas em um caderno que era praticamente um diário, todos os dias meus sentimentos transformavam-se em palavras azuis no papel.

Mesmo escrevendo, meu peito continuava cheio de angústia, como só os amores da adolescência nos fazem sentir.

Então entendi que as palavras não eram só minhas, eram também daquele que me inspirava. Assim, em um belo dia, uma adolescente de 14 anos decide (com a ajuda de suas amigas, evidentemente) entregar anonimamente suas palavras para o seu amado.

É claro que em uma cidade pequena do interior o anonimato durou poucas horas e logo estava lá eu, com toda a coragem que eu sequer acreditei que tinha, me declarando frente a frente.

Ele não me quis. Chorei horas no colo da minha melhor amiga, mas depois de alguns dias, ficou tudo bem. Ao menos todos aqueles sentimentos foram entregues a quem pertenciam.

Essa foi a primeira vez que me senti nua. Não a nudez do corpo, que para mim chega a ser até normal, considerando que todos somos comumente iguais no sentido físico. Me senti nua na minha alma, desprotegia e vulnerável. Há algo que possa nos deixar mais expostos do que as palavras e o amor?

Passados mais de 15 anos desde a minha primeira nudez da alma, as palavras continuam a insistir em viver em mim, por isso estou aqui, transformando-as em texto e no meu sentimento do mundo.

Estou me rendendo à conclusão de que elas existem para serem compartilhadas, caso contrário, seríamos apenas silêncio.